terça-feira, 14 de setembro de 2010

Acompanhe a entrevista com a delegada das mulheres Josimária Coelho


Josimária Coelho: “Nosso objetivo é contribuir para ampliação da cidadania feminina na luta contra a violência doméstica e sexual. Não se acostume a conviver com a violência. Denuncie! O silêncio é cúmplice da violência”.
É necessário que toda a população reconheça que a violência contra a mulher é um atentado aos Direitos Humanos, um obstáculo ao desenvolvimento e à consolidação plena da democracia no Brasil. A violência contra a mulher ocorre tanto na rua como em casa. Mas, ao contrário dos homens, as mulheres e as crianças são as principais vítimas da violência sofrida no espaço doméstico, praticada, sobretudo, por maridos, companheiros, pais e padrastos.

Perfil do entrevistado:
A cearense, Josimaria Coelho, é advogada formada em Fortaleza, mora em Macapá desde 1993. Atua em defesa dos direitos da mulher como delegada desde 1994, sendo 12 anos ao todo, passou 5 anos trabalhando no município de Santana e em Macapá já são 7 anos. É conselheira do Conselho Estadual da Mulher e titular da Delegacia Especializada em Crimes Contra e Mulher.

* Como está o atual cenário de ações contra a violência no estado do Amapá? A estrutura institucional é suficiente diante dos casos de crimes contra a mulher?

A delegacia tem procurado no Estado, cumprir integralmente o que diz a Lei Maria da Penha, quando se fala sobre a questão dos organismos, dos órgãos públicos que trabalham a questão da violência doméstica e familiar. O estado do Amapá tem a delegacia da Mulher, Juizado de violência doméstica e familiar, promotoria de violência doméstica e familiar, Centro de Referência, Centro de Atendimento a Mulher e a Família (Camuf), casa abrigo Fátima Dinis e também um setor específico da Defensoria Pública que trabalha essa problemática. Então, temos os setores principais para trabalhar na questão da violência contra a mulher. O cenário é bem positivo no que diz respeito ao que vem preconizando a Lei Maria da Penha. É claro que a demanda é muito maior do que a oferta, então, a gente precisa cada vez mais fortalecer essa estrutura, para que as políticas públicas possam corresponder satisfatoriamente à grande procura. O passo da demanda é rápido e o que diz respeito à estrutura é bem mais demorado. Ainda assim, o estado do Amapá está na frente de muitos outros estados, como por exemplo, Fortaleza (CE) que não tem delegacia 24 horas especializada.

* A lei Maria da Penha pode ser descrita como um instrumento eficiente contra a violência a mulher ou precisa de mudanças?

A lei é a principal conquista a favor da mulher, porque é uma lei que define o que é violência, o tipo de violência, o papel de cada órgão. Antes dessa lei, a mulher não tinha uma lei especifica, era muito geral. Podemos sim, considerar a lei como eficiente no combate ao crime contra a mulher.
Correio do Amapá: As estatísticas de violência contra a mulher, segundo sua avaliação, no Amapá, demonstram que já há, por parte das mulheres do Estado, uma maior consciência para a denúncia? Ou os dados demonstram ainda medo da denúncia?
As estatísticas mostram sim, que as mulheres tem tido um comportamento diferente de anos atrás. Hoje as mulheres têm muito mais acesso a informação, uma vez que a mulher consegue adquiri informação, conhecimento em conseqüência adquirem também a segurança, a clareza. E tendo conhecimento que existem organismos que trabalhão para defender os seus direitos, então ela busca este amparo. E as estatísticas mostram que nos primeiros sinais de violência ela já busca a delegacia, a mulher muitas vezes não dá o prosseguimento na ação judicial. Mas isso é um avanço, na verdade ela mostra os ensaios de que não vai aceitar ser violentada e vai ter uma hora que vai recorrer ao procedimento policial.

* Segundo consta a Delegacia da Mulher atende não somente casos de violência de homens contra mulheres, mas também, de mulheres contra homens, como se configura essa realidade no Estado do Amapá?

A delegacia registra qualquer tipo de violência a qualquer pessoa, seja criança, mulher, idoso ou homem. Temos essa obrigação, como função de qualquer delegacia, o cidadão tem o direito de ser atendido e ter sua denúncia de qualquer natureza registrada. A denuncia será apurada e encaminhada para a delegacia especifica. A delegacia da mulher apura somente quando a mulher é a vitima, então, realizamos o registro mais não apuramos. Existem também situações de demandas espontâneas, como o homem procurar a delegacia e não registrar a ocorrência e solicitar um apoio psicossocial, uma orientação que a delegacia também disponibiliza. O principal objetivo é orientar casais e promover a conciliação. A delegacia realiza eventualmente esse tipo de registro. Mais caso contrário, o homem decida por um procedimento policial contra essa mulher, ele deve se encaminhar para a delegacia competente. No caso, é a delegacia do bairro onde aconteceu o fato de agressão. A delegacia da Mulher apura exclusivamente denúncias de mulheres vítimas de violência. Excepcionalmente estamos apurando quando a vítima é criança em situação flagrâncias, ou seja, uma criança foi vitima de algum crime, abuso sexual, por exemplo, nós instalamos os procedimentos normais. Isso porque a delegacia da Criança e do Adolescente (Deca) tem uma grande demanda e quando são crianças do sexo feminino realizamos o atendimento.

* A mulher como agente da lei ainda é alvo de preconceito? Como a senhora definiria seu trabalho diante de possíveis preconceitos ao papel da mulher em espaço de protagonismo?

Eu não vejo nenhum tipo de preconceito, pelo contrário, o homem já evoluiu no que diz respeito aos outros colegas de trabalho, nós somos tidas como exemplo, um modelo a ser seguido por conta da nossa organização, empenho e esforço pessoal. Então, em respeito a essa mulher que vem procurar os trabalhos da delegacia, quando sai da instituição já sabe o dia de sua audiência. Quem procura uma delegacia, como também quem vai procurar um hospital vai à busca de solução. O Estado precisa oferecer esta resposta e que não necessariamente decorre em um procedimento policial, muitas vezes somos procurados para facilitar o diálogo para que possa normalizar a convivência daquelas pessoas que vivem em uma mesma casa. Seja marido e mulher, seja relação com o filho, com o visinho. Então, a gente pode sim, e temos possibilitado esse diálogo entre as partes. Temos conhecimentos que os problemas existem e que são de todas as ordens. Algumas vezes, quando o agressor é apresentado é que estamos sujeitos a grosseiras devido o seu estado etílico alterado.

* No Estado existem quantas delegacias especializadas?

No estado temos três delegacias especializadas que ficam localizadas em Macapá, Santana e Laranjal do Jarí. Nos outros municípios estão sendo pensadas novas alternativas. O Posto de Atendimento a Mulher (PAM) está sendo criado e vai funcionar em uma sala especifica dentro da delegacia comum e terá profissionais capacitados para atender especificamente a mulher vitima de violência. Existem casos, em que a mulher é recebida por um policial que não é sensível e pode chegar até a julgar e criticar essa mulher que está denunciando. Esta é mais uma preocupação no que diz respeito ao atendimento de excelência, a necessidade de capacitar os homens para receber esta mulher fragilizada na delegacia. A maioria dos policiais já foram sensibilizados. Os postos serão utilizados nos municípios onde não tem delegacia especializada.

* Como é trabalhado a sensibilização dos policias no que se refere ao atendimento a mulher vitima de agressão?

Fazemos um trabalho através de palestras, dinâmicas, diálogos mostrando que realmente nós temos que dignificar a atitude da mulher quando procura uma delegacia. Sabemos que é difícil tomar a decisão de procurar a delegacia, por mais que todos os profissionais que fazem parte do corpo técnico sejam capacitados, ainda sim, somos estranhos a esta mulher. A vitima mostra sua individualidade, seus problemas, e falar que foi espancada pelo seu marido, pelo pai dos seus filhos é uma decisão árdua. Não podemos naturalizar essa situação de agressão.

* Sabemos da quantidade de denúncias vindas de mulheres agredidas da Zona Norte. O que está sendo feito para amenizar este problema?

Devido à grande demanda na capital, temos outra delegacia sendo construída na Zona Norte por causa do crescimento populacional e outros fatores sociais. A obra está em fase de acabamento e no começo do próximo ano é possível já está disponível a população. A nova delegacia fica situada no bairro Novo Horizonte.

*Quais são as denúncias mais registradas?

A estatística referente ao ano de 2010 mostra que ameaça, lesões corporais, vias de fato são as denúncias mais recorrentes, mas temos outras como: abandono de lar, apropriação indébita, calúnia, desaparecimento, estupro, maus tratos, tentativa de homicídio. Na maioria das vezes a agressão ocorre dentro da casa do casal. Questões econômicas e o fato de gostar e acreditar que o companheiro possa mudar, a fragilidade da mulher em não querer educar seus filhos sozinhos influencia na decisão final da agredida em voltar atrás e não levar a decisão ao inquérito policial.

* Que tipo de políticas públicas a senhora acredita que deve ser fortalecida para que tais circunstâncias sejam amenizadas?

A educação. Tudo é pela educação. Temos que ter a responsabilidade de passar valores para os nossos filhos e é preciso tomar cuidado com os papéis que lhes são mostramos como certo. Principalmente aqueles papéis definidos como isso é coisa de menino que é bem diferente da menina. Temos lutado ao longo do tempo pela a igualdade, então, homens e mulheres devem ser responsáveis pelo sustento da família, cuidado com a casa e com os filhos e a igualdade deve acontecer em todos os setores.

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